Autores Independentes

18/10/2019

18/10/2019

Ensaio sobre as facetas de Cromwell e sobre o processo revolucionário Inglês 

Por Felipe Lustosa, Historiador e filósofo 


"E os Carneiros Fizeram-se devoradores de homens, eles despovoavam aldeias e cidades" - (Thomas Morus, A Utopia)


No século XVI a Inglaterra não passava de uma ilha de corsários e de uma "potência de segunda classe" no que concerne ao quadro político-econômico da Europa, mas já no começo do século XVIII e meados do XIX era a maior potência mundial: suas possessões e colônias do ultramar nunca viam o sol se por. É um erudito como Christopher Hill, historiador da escola marxista britânica, aquele que chega a Salientar, que: "alguma coisa aconteceu no meio disto (...) e eu creio que foi a guerra civil de 1642 e a Revolução de 1688, que tiveram efeitos fundamentais". Portanto, o salto mencionado por Hill, denota que houve uma ruptura (ainda no século XVII) com o absolutismo e com o projeto feudalizante sobressalente e em voga no restante dos demais países que viriam compor a via-clássica de consignação do capitalismo os quais geralmente estavam ligados aos anseios das coroas absolutistas [como França por exemplo] e à interesses econômicos escusos da Nobreza de corte os quais eram bastante atrasados.


Um lento processo de mudanças no campo vinha se manifestando desde a dinastia dos Tudors (no século XV, com Henrique VIII e Elizabeth), em direção à concentração da propriedade em mãos de uma ascendente burguesia comercial ligada à luxúria e ao corso, a pequena propriedade fundiária foi gradualmente liquidada em razão do estabelecimento do que a historiografia inglesa denomina de "Cercamentos" ou Enclousures[1]. Inicialmente os Enclousures eram terras alodiais, vagas ou, antes, destinadas aos Mansos Comunais. Com a emersão da burguesia togada, foram apropriadas por esta adquirindo dimensão e qualidade de propriedade privada circunscrita à lógica da produção de valores e, por conseguinte, inserindo-se da produção à circulação de mercadorias. O passo seguinte da burguesia teria de ser o de expropriar os camponeses pobres por meio de fraudes e pela força das alabardas ao passo que empregavam a força material desta mesma classe social expropriada contra os reis a fim de saquear o Estado e de se livrar da ingerência dos déspotas e de todos os empecilhos vindouros que prejudicassem o liberalismo-econômico, corporificados na dinastia dos Stuarts.


Para entendermos a Revolução Puritana e a Gloriosa devemos retornar a Cristopher Hill e a um de seus livros, denominado: "O mundo de ponta-cabeça". Nele poderemos descobrir aquilo que se configurou na década de 40 do século XVII como "partido político dos niveladores" (o qual adstringia os Diggers e Levellers) que já em 1640, se insurgiam na New Model Army [2] tanto contra ao antigo regime, quanto contra o modelo de propriedade privada proposto por Cromwell e seus seguidores.

Os Diggers ou 'true levellers' - liderados por Gerrard Winstanley - , eram pequenos produtores rurais de religião protestante apelidados de escavadores por conta do trato com a terra que davam com as enxadas e por proporem uma forma comunal-coletiva de propriedade. Estes Levellers radicalizados, - diferentemente daqueles 'false levellers', que só buscavam por igualdade jurídica - viram no advento da conformação de uma república uma grande chance para uma transformação radical da sociedade inglesa que denotasse a ruptura com o Antigo Regime onde se pudesse ser feita a reforma agrária e o reordenamento da sociedade civil e política em moldes nivelados no concernente à igualdade econômica. Frente a isso os diggers aglutinaram-se no "novo modelo de exército" a fim de ferir de morte o antigo regime e de clamar pela decapitação da realeza, simbolizada em Carlos I.

Estes estratos do campesinato pequeno-produtor, em pouco tempo, entraria em contato com a agitação militar do exército regular e consignariam uma solda militar-campesina elevando em muito sua consciência de classes e se tornando uma força militar-política imbatível e principal tropa de assalto dos "Cabeça-Redondas" (Roundheads) [3] por muitos anos, outrossim, parte dos niveladores propuseram o coletivismo das terras muitos séculos antes das ideias socialistas utópicas por intermédio de Robert Owen[4] vicejarem em Inglaterra, o que desagradou profundamente a Cromwell, Fairfax e a gentry e nobreza dos yeoman (yeomanry). Nestas circunstancias, em 1654 após debelar uma série de levantes e trucidar parte dos Levellers, Cromwell faz uma exaltação à nobreza e detrai as bases Levellers, tornando o nome ''Leveller'' algo pejorativo:

Nobre, cavalheiro, yeoman; a distinção desses; que é um bom interesse da nação, e um grande. A magistratura 'natural' da nação foi que nem sempre foi pisoteada, sob pena e desprezo, por homens de princípios niveladores? Eu imploro, pelas ordens e posições dos homens, o princípio nivelador não pretendia reduzir todos a uma igualdade? Pensou "conscientemente" em fazê-lo; ou "apenas inconscientemente" praticou isso por propriedade e interesse? 'Em todo caso', qual foi o significado disso que não tornar o inquilino como liberal uma fortuna como senhorio? O que, penso eu, se obtido, não duraria muito.

Um dos motivos do descontentamento recai no fato de um dos líderes Levellers, John Liburne, ter lançado uma série de Manifestos Populares os quais insuflavam as massas as convidando a desconfiarem dos propósitos conciliadores de Cromwell: o Primeiro foi "O Caso do Exército", onde Liburne exigia a dissolução imediata do parlamento, exoneração da nobreza de seus cargos parlamentares, uma nova constituinte e a regulação popular desta por "leis-supremas" de caráter popular (decididas em votação por plebiscitos) as quais seriam inalteráveis no decorrer do período republicano, o segundo Manifesto foi escrito em parceria com William Walwyn, este teve o nome de "O Acordo do Povo" e nele figurava um salto qualitativo com relação ao primeiro manifesto, mas também discordâncias entre as lideranças do processo revolucionário: propunha-se o sufrágio universal, denunciava-se a Magna Carta como elemento causador da "cegueira-política" e institucional em parte das classes dominadas, o que suscitou uma série de divergências entre os dois líderes Levellers, de um lado Liburne - que confiava na instituição da Common Law [5]-, do outro Wallyn, que a denunciava como um engodo que passava servidão como liberdade, propondo em seu lugar um novo arranjo (revolucionário) para uma nova sociedade política, em substituição daquela que havia sido destruída e desidratada por conta da guerra civil (1642 - 1651).

Ambos os Manifestos desagradaram a Cromwel, que prendeu Liburne após o motim do Campo de Corkbush - um ano antes da execução de Carlos I - , voltando a reprimir os Levellers, após o rei ser executado, quando há a circulação no outono de 1649 do panfleto político "As Novas correntes da Inglaterra" de Wallyn, quando Cromwell acusa-o de alta traição e com a ajuda de Fairfax dissolve a intentona Leveller, em Londres, aprisionando seus líderes mais radicalizados , este novo panfleto exigia a dissolução dos conselhos de Estado (de hegemonia Yoeman) e um novo e reformado parlamento, Cromwell a pari passu que chega ao poder, converte-se em um ditador e chega em abril de 1649 outro líder Digger (Robert Lockyer), tratando de reprimir e de trucidar os demais grupos Leveller espalhados pela Inglaterra. O que assustou Oliver Cromwell e demais liberais foi a radicalidade do processo revolucionário e a tônica Leveller que apontava já no século XVII na contra-mão do projeto almejado pela nobreza Yoeman e burguesia de toga, Diz Hill:

Winstanley estava elaborando uma teoria coletivista que antecipou o socialismo e o comunismo dos séculos XIX e XX (...) Winstanley compreendeu o aspecto crucial do pensamento político moderno: que o poder do Moderno Estado está relacionado ao sistema de propriedade da terra e ao corpo de ideias liberais que sustentam esse sistema. Também é moderno ao querer uma revolução que substituiria a competição pelo interesse coletivo nas comunidades, insistindo em que a liberdade política é impossível sem igualdade econômica.

Sob a ditadura instaurada por Oliver Crowell, segundo o Autor David Hume, as estruturas feudais inglesas foram obliteradas tais como os latifúndios pertencentes à igreja anglicana e aos partidários dos Stuarts foram expropriadas e confiscadas, para serem redistribuídas e barganhadas a aqueles que as tornassem produtivas. Outrossim, por meio de cláusulas expressas nos Enclousure Acts o cercamento dos campos passariam a produzir valores de troca para o mercado e consequentemente para o enricamento da burguesia nos postulados da doutrina do liberalismo-econômico. Cormwell também implementaria a dominação colonial inglesa, desenvolveria a armada náutica (elevando-a à um novo patamar) e manteria tanto Irlanda quanto Escócia subsumidas aos interesses da burguesia britânica em franca ascensão.

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Glossário:

[1] - Enclousure: traço marcante do novo ordenamento capitalista inglês o qual consistiu no cercamento das terras expropriadas pelo estado e burguesia inglesa para produção de matéria-prima destinada à industria têxtil e indústria de base. Foi fruto do contexto comercial do século XVIII, na Inglaterra, mas começa a ser implementado com Henrique VIII. Consistia na transformação das terras comuns aos senhores e servos, provenientes da antiga relação enfiteutica e feudo-vassálica, em pastos para a criação de ovelhas. A exploração da era, junto com a do carvão e do ferro, um dos pilares da expansão comercial inglesa e da gênese do da via-clássica do capitalismo britânico.


[2] - New Model Army : Novo Modelo de Exército estabelecido por Cromwell em 1645 com o fim de, com táticas de guerra e formação superior, conformar um corpo de ginetes em tempo integral o qual romperia com a velha lógica feudal calcada nas milícias capitaneadas pelas casas dos lordes. Com a New Model Army, Cromwell derrocou as forças absolutistas em campo de batalha, sendo este modelo de força militar desmontado em 1660, com a restauração.

[3] - Houndreads: Os Cabeças redondas eram o grupo parlamentar oposicionista aos lordes e aos prosélitos da monarquia inglesa no período de (1625 - 1649). Constituíam-se como grupo de pequenos agricultores, pequenos comerciantes, burgueses ilustrados, e protestantes radicalizados os quais não se valiam das perucas como status de sua classe e casa nobiliárquica, em ojeriza às perucas e à nobreza feudal adotaram o nome cabeças redondas.


[4] - Robert Owen: Socialista Utópico Inglês fundador do Cooperativismo.


[5] - Common Law: órgão que simboliza a ruptura entre o poder executivo e o legislativo. Por meio da common law, o direitoe as leis são criados ou aprimoradas por um corpo de dignatários, magistrados e juízes eleitos nas assembleias, a Common Law é um dos traços da formação da burocracia burguesa, mas também, do liberalismo-político e da fragmentação do poder antes concentrado e cristalizado na figura do déspota.

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Bibliografia:

HILL.C.; Omundo de Ponta-cabeças: Ideias radicais durante a revolução de 1640; São Paulo, Editorial Companhia das letras, 1987. 


HILL.C.; A Revolução Inglesa de 1640, Editorial Presença; São Paulo: Livraria Marins Fontes, 1985.


HILL.C.; The century of revolution 1603-1714. Londres, Routledge, 1980.


HOBBES.T.; Behemoth. Tradução de Eunice Ostrensky. Belo Horizonte; Editora da UFMG, 2005.

HUME.D.; História da Inglaterra, São Paulo, Editorial Unesp, 2005. 

MORAES.J.G.V.;Caminhos da Civilização - História Integrada Geral e Brasil; Sâo Paulo, Editorial Atual, 1998.

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