Autores Independentes

A ancestralidade utópica e romântica dos primeiros socialistas- (parte 2) Charles Fourier e sua concepção de mundo justo

28/10/2019

                        Fourier (1768 - 1830)

"(...) imita Deus na unidade e no amor, os anjos no intelecto, as espécies na razão e natureza gegária, os brutos no sentido piedoso, as plantas na auto-nutrição, coisas sem sentido na vida desconexa. De certa forma, o animal humano é integral, ele é, certamente, um pouco de tudo." - (Marsílio Ficino, De Christiana Religiones , XVI)


Por Felipe Lustosa, Historiador e filósofo

 Charles Fourier foi um homem virtuoso empenhado em restituir o espírito humano por intermédio da falange, 
buscando suas influências nos primeiros renascentistas e nos iluministas do século XVIII, Fourier elaborou uma teoria utópica que tinha por meta a lenta e gradual transformação da ordem capitalista, mas a história não se faz somente com 'boas intenções' e Fourier não conseguiu ir para além daquilo já evidenciado de maneira mais douta e filosófica, em Rousseau.

Seu mérito recai em ter sido o primeiro teórico (antes de Marx) a elaborar uma concepção verdadeiramente altruísta e anti-capitalista acerca do que é trabalho livre e do que é trabalho não-livre. Fourier foi também aquele que, antes de Marx, criticou o assalariamento e a perversão dos sentidos,  destruição das faculdades humanas e dos biomas lançados pela moderna indústria, indicando que esta forma de trabalho e o sistema capitalista suscitavam no homem paixões contrárias à harmonia do homem para com sua raiz genérica e natureza, o desessencializando e envilecendo-o.

Ao elaborar sua concepção Socialista [corretamente taxada por Engels como 'Utópica'], ele elaborou uma forma societária harmoniosa, intercedida pela existência dos falanstérios[1], mas em sua monta teórica, Charles não conseguiu identificar a luta de classes na história da humanidade. Sob sua perspectiva, os falanstérios vicejariam no homem de novo tipo as paixão harmônicas e não as desarmônicas (taxadas por ele como "paixões subversivas" e poluidoras do intelecto).

 As paixões benéficas eram harmônicas e desejáveis: elas reaproximavam o homem de sua natureza e da divindade, suscitavam no homem o associativismo, o cooperativismo e o reconectavam a um 'passado heroico e tribal', elas edificariam os ardis do gênero humano voltados à igualdade e à coletivização dos bens, já as subversivas eram perniciosas e maléficas ao gênero humano, suscitavam o individualismo, o patriarcado, a monogamia, a religião e eram interpretadas como criações anômalas e anti-naturais da etapa burguesa.

Fourier não faz mais do que conjurar o espírito rousseauniano em seus escritos acerca das paixões, onde passam a figurar com outra nomenclatura o Amour-de-Soi e do Amour-Propre [2] de Rousseau, em sua concepção de comuna. Fourier ao dizer que "a civilização burguesa engendra um mal-estar diuturno" rememora o fantasma emperucado de J-J. Rousseau e a sua crítica impiedosa à sociedade de cortes (do antigo regime) e outrossim, à nascente e deletéria sociedade burguesa (e ao modelo de sociedade civil existente nesta forma de contrato social).

Charles acreditava na reconexão do homem com seu Estado-Natural, tal como Rousseau; esta reconexão só poderia ocorrer nas falanges (compostas por grupos de 1800 homens, ou 400 famílias) que o reconectariam com a 'harmonia', donde seria o humanitário contato genérico na Taba, a congregação no grande edifício, no Falanstério, na grande Casa, ou casa comunal e Etc. O elemento reaproximador e regenerador da generidade, que antes havia sido separada pelo capitalismo e pela propriedade privada.

Sem que soubesse, Fourier acabou por cair no mito do bom-aborígene silvícola, tal como outros Socialistas contemporâneos. O bom silvícola seria mantido puro, mas para tal, teria ele de estar em isolamento do contrato social deletério e profanador das paixões naturais e edificantes, outrossim, teria de estar afastado dos vícios burgueses e assim seria ele incorruptível no caráter e humanista por ideologia e convicção; pois que estaria livre das violações da sociedade corrompedora, por estar agora absorto no comunismo primitivo, na falange, ou no modelo industrial associativista e por praticar a troca em espécie, trabalhar menos e fruir mais da vida humanizada.

Esta reconexão do homem com seu radical, para Chales, se daria por uma retomada dos princípios básicos e ontopositivos da Eudaimonia [3] e pela "boa vontade" daqueles industriais ou homens de negócios 'benevolentes', 'humanistas' e 'altruístas', tais como ele, os quais, em sua inocência comunista, iriam se convencer sobre a necessidade da edificação deste paraíso idílico (do mundo subdividido em falanstérios e comunas) sob a constituição das "leis análogas" ao Estado de Liberdade e à Vontade Geral.

____________________________________________________________________________________________________
[1] - no fourierismo, organização comunitária concebida como uma realização plena da natureza humana, por meio do encontro entre princípios socialistas, como a propriedade coletiva dos meios de produção, e prescrições comportamentais, que incluem a plena liberdade sexual.
____________________________________________________________________________________________________

[2] - O Amor de Si, para Rousseau é o 'amor natural' do homem pela sua generidade, o qual imbuído de pitié se reconectaria tanto com a natureza, quanto preservaria seu radical genérico de forma irmanada. O Amor Próprio, pelo contrário, é antipodal e antitético ao amor de si, Rousseau diz que é a modalidade de amor-burguês amahado na sociedade civil moderna, ele faria viceja no homem auri sacra fames, um sentimento degenerador, artificial, egoísta, mutilador e solipsista, que ao contrário do Amor de Si, alimenta no homem o repúdio pelo gênero humano, a destruição de si, da civilização e da compaixão.

____________________________________________________________________________________________________[3] - Eudaimonia: do grego:.εὐδαιμονία, para Epicuro tratava-se de um termo que literalmente significa "o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom gênio". Em geral, é traduzido como felicidade ou bem-estar.

Bibliografia:
ENGELS. F.; The Program of the Blanquist Fugitives from the Paris Commune,publicado pela primeira vez em 'Der Volksstaat', a 16 de Junho de 1984, acessado a 25 de Abril de 2007.
ENGELS. F.; Do socialismo utópico ao socialismo Científico, São Paulo, Editora Edipro, 2002.
MARX. K.; Salário, Preço e Lucro, 5°edição, São Paulo, Editora Centauro, 2005.
MARX. K.; Miséria da Filosofia, 3°edição, São Paulo, Editora Centauro, 2001.
ROUSSEAU. J.; Discursos sobre a origem das desigualdades entre os homens, São Paulo, Editora Ridendo Castigat Mores, 1987.
PICO DELLA MIRANDOLA. G.: Discurso sobre a dignidade do homem. Tradução e introdução de Maria de Lurdes Sirgado Ganho. Lisboa: Edições 70, 2001. 
MORUS. T.; A Utopia, São Paulo, Editora Martin Claret, 2002.

Paideia Comunista
Artigos Marxistas © Todos os direitos reservados 2019
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora