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Colombo, o Naufrágio da Santa Maria e o forte do Natal

09/09/2020

Por Felipe Lustosa, Historiador e Filósofo

Colombo, em 3 de agosto de 1492, parte de Palos de la Frontera com uma expedição -às expensas da coroa castelhana- composta por três naves: a Santa Maria, a Pita e a Nina. Ele havia optado pela circunavegação do globo a fim de erigir ele próprio uma rota de monopólio para coroa hispânica, rumo às Índias durante o ínterim da Expansão Marítima.

Em seu itinerário, ele se se depara como um continente completamente desconhecido pelo povo de Espanha -o qual, até o fim da vida acreditou Colombo ser a costa pacífica da Ásia. Motivado pelo engano, Cristóvão Colombo batizou seus habitantes de ''índios''. Ele se deparou com um cordão de ilhas da América Central insular o qual abarcava em si: As Bahamas, Martinica, Guadalupe, Jamaica, Cuba e Santo Domingo. Todorov em sua obra, escreve que:


Ele [Colombo] tem, porém, suas convicções, ou seja, que a ilha de Cuba é uma parte do continente da Ásia, e decide eliminar qualquer informação que tenda a provar o contrário. Os índios encontrados por Colombo diziam que essa terra (Cuba) era uma ilha; já que a informação não lhe convinha, ele simplesmente a recusava e junto disto, a qualidade de seus informantes. 

Ele tentou aportar na parte centro-sul da atual República Dominicana onde se situava um cacicado [os espanhóis nomeavam de cacicazgos] hostil a estrangeiros. O nome deste cacicado era "Manguano" e ao se aproximar da terra firme, Colombo e suas naves receberam uma saraivada de flechas que o fizeram desistir do desembarque e mudar o curso das caravelas para a costa sul das Antilhas, vindo a aportar onde hoje se situa a moderna cidade de Santo Domingo. 

Ao chegar à uma légua da costa de Santo Domingo, a Caravela Santa Maria -a qual já estava bastante avariada-, encalhou definitivamente e começou a se encher de água -pois fora perseguida implacavelmente até o alto-mar por canoas de índios caraíbas, os quais atiravam flechas incendiárias nas caravelas, de modo que os espanhóis não conseguiam mirá-los com os canhões. 

Diante do naufrágio iminente, a tripulação (já em desespero) fez o que pôde para salvar aquilo conseguia levar, tal como ferramentas, cavalos, alimentos e partes móveis da caravela como os mastros, muitos pregos, as partes integras das velas e muitas tábuas longas e planas (com as quais empregariam a construção de um forte). 

Os espanhóis da Santa Maria ao embarcarem em botes salva-vidas, começaram a receber flechas novamente  precisando, então, serem escoltados a tiros de arcabuz pela tripulação da Pita e da Nina, a qual fizera uma espécie de "cordão de isolamento" náutico -a fim de desencorajar os índios à canoa- para só então, conseguirem chegar ao solo firme. Já em terra, batizaram a nova potenção ultramarina -pertencente a partir daquele momento à coroa da Espanha-, de La Hispaniola. 

Em Hispaniola, Colombo e os espanhóis conhecem os nativos da ilha: estes indígenas, diferentemente daqueles mais a Oeste, os quais lhes receberam com flechas estes se chamavam Taínos, eles possuíam -aos olhos espanhóis- cultura mais sofisticada que a dos Caraíbas, eram de início amistosos aos espanhóis os garantindo estadia e provisões, o cacique Taíno de nome Guacanagari oferece aos marujos de Colombo água fresca, frutas ricas em vitamina C -cedidas aos marujos que sofriam com escorbuto-, tal como oferecem como presente aos espanhóis -ignorantes da metalurgia- o Guanin (uma liga de ouro, prata e cobre mui específica da América caribenha pré-hispânica), o Guanin reluzia quando posto sob o sol e estes instrumentos eram variegados, ganhando notoriedade sob a forma de botoques, penduricalhos de pescoço como cordões, braçadeiras metálicas e adornos de sobrancelha, nariz e orelhas.

Os espanhóis embasbacaram-se com o fulgor de sua ourivesaria, mas derreteriam os adornos de Guanin forjando a partir destas peças -de valor inestimável- e de outras obras de arte de cunho litúrgico -tal como os ídolos taínos de metal-, lingotes rústicos em formato de paralelepípedo, sem entenderem muito bem o porquê de partes da liga metálica ou amálgama, se comportarem de forma inusitada e se tornarem mais maleáveis nas forjas à carvão improvisadas, atingindo pontos de caldeamento distintos. 

Os lingotes serviriam -na gênese da conquista-, para alimentarem a ânsia por ouro e ambição mercantil perpetrada pelo metalismo e pelo bulionismo, durante a quilo que Marx alcunha de "acumulação primitiva do capital comercial" nos tempos dos impérios ultramarinos. A cada dia passado na ilha, mais os espanhóis se tornavam inconvenientes, odiados e hóspedes indesejáveis: eles abusavam da hospitalidade dos nativos os quais se conformavam em fratrias e aldeias, se dividindo em formações societárias onde vigorava um sistema de chefaturas.

Estas aldeias se subdividiam por todo o arquipélago e davam origem à inúmeras aldeias de etnias distintas; dentre elas destacam-se os: Yaio, Nepuyo, Chaima, Warao, Kalipuna, Carinepogoto, Garini, Caraíbas, Taínos e Aruaques...Os Espanhois estupravam suas mulheres acreditando serem as aldeias dos caribenhos um "Éden sem leis".

Em 1493, Caonabo, o chefe militar e cacique dos Taínos e Manguano, decide-se por expulsar os espanhóis, mas existiram alguns antecedentes: Após os indígenas terem fornecido as provisões à Colombo, para que os tripulantes da Santa Maria não morressem à deriva -e para estes erguerem uma palhiçada de nome "La Navidad" (o Forte do Natal)- com mão de obra indígena de mais de 250 nativos, sendo a monta facilmente concluída em pouco mais de uma semana, os espanhóis lhe foram ingratos: em troca do trabalho, os espanhóis lhes cediam no início ferramentas de ferro (de péssima qualidade), depois sucatas, espenhos, contas de vidro, as facas e machadinhas enferrujadas, somente superiores aos machados de pedra polida Taínos deram lugar à coisas inúteis aos índios e já ao final da monta, após os índios se desgastarem na construção de La Navidad, os espanhóis tratavam-nos com o chicote ou com o alfanje, puniam com a morte os que se sentavam para descansar, abusavam da boa fé dos anfitriões amistosos e ao entrarem em uma aldeia, imolavam com brasa os que não se dobravam de joelhos diante da cruz e das missas rezadas, os mestres de armas bolinavam as mulheres e adolescentes indígenas e Colombo chegou a Raptar alguns indígenas e algumas mulheres para que servissem de escravos nos navios e na Espanha. 
Tal afronta irritou a esposa de Caonabo: a nativa Anacona tal como os demais Chefes dos "Cacicazgos" Xaragua, os quais após a morte de do cacique Bohécio, se rebelaram contra Colombo.

 Os Taínos eram uma grandiosa nação guerreira de índios distinta dos Caraíbas a qual se distribuía pelas ilhas maiores e estendendo por 5 domínios diferentes (ou chefias) dispostos pelas grandes ilhas, estes eram: Xaragua, Marién, Maguana, Maguá, Higüey.

 Os nativos do interior da Ilha eram consideravelmente mais hostis aos intrusos espanhóis -tal como os das pequenas ilhas- eram temidos por se banquetearem com os inimigos apresados em rituais de exocanibalismo -ou antropofagia compulsória, Segundo Darcy Ribeiro. Guacanagari, cacique amistoso a Colombo havia alertado aos espanhóis sobre o povo Caribe (ou caraíba) e sobre algumas tribos interioranas. A arrogância dos espanhóis acreditava cegamente na superioridade bélica de suas armas, i.e, que seria uma simples batalha travada entre arbaletes, bestas, cavalos, canhões e arcabuzes, contra reles paus, flechas e pedras, mas desta vez se enganaram.

 Colombo havia se decidido por retornar à Espanha: ele levava consigo um botim de ouro pilhado, pedras preciosas, presentes inúmeros -entregues como tributo pelas chefias locais subservientes, como o Cacique submisso e irmão de Anacona,  Bohécio e por Guacanagari-, estes tributos foram cedidos à rainha Isabel como declaração de amizade e admiração, iam de maços de algodão a rolos de tabaco, de esculturas de Pedra (os Zemís) à túnicas, bancos de madeira ornamentados (os Duhos) utilizadas pelos chefes nativos como símbolo de prestígio e botoques e braceletes utilizados por uma aristocracia indígena guerreira, deram um conjunto de plantas, de animais exótico, de árvores de frutas tropicais plantadas em cerâmicas, de pássaros exóticos do novo mundo -que provavelmente não resistiram à viagem até à Espanha; escreve Las Casas, que:

"Quando lhe traziam ouro ou objetos preciosos, ele entrava em seu oratório, ajoelhava-se como as circunstâncias exigiam, e dizia: 'Agradecemos a Nosso Senhor que nos tornou dignos de descobrir tantos bens'. Era o guardião mais zeloso da honra divina; ávido e desejoso de converter as pessoas, e de ver por toda parte semeada e propagada a fé de Jesus Cristo;e particularmente dedicado para que Deus o tornasse digno de contribuir de algum modo para o resgate do Santo Sepulcro; e com esta devoção e certeza de que Deus o guiar ia na descoberta deste mundo que ele prometia, tinha suplicado á Sereníssima Rainha Dona Isabel que lhe prometes se consagrar todas as riquezas que os Reis podiam obter de sua descoberta ao resgate da terra e da Santa Casa de Jerusalém, o que a Rainha fez (Historia, 1, 2).  

Devido ao abarrotamento das caravelas Pita e Nina, parte da tripulação da Santa Maria -a caravela que afundou-, não pôde retornar e estes ficariam na Ilha guarnecendo o forte do Natal. Eram cerca de 38 ou 40 bandidos, dentre eles arruaceiros, degredados, rufiões, cristãos-novos e ladrões de galinhas, em suma: o lumpesinato moderno, e esta corja não eram benquista nem mesmo na Espanha.

Colombo nomeou Diego de Arana (Mestre Armeiro e notório rufião) como governador de província e do "forte" de La Navidad; Arana tinha fama de ser desrespeitoso e cruel com os índios, ele desfilava pela ilha com os penduricalhos indígenas amarrados no pescoço e com seu arcabuz sempre lustrado, como se fossem ornamentos que lhe conferiam poder, virilidade e temor; era ostentador, cretino, mau-caráter e vil e junto de sua pessoa, era sempre acompanhado por sua gangue infame de vagabundos, os quais abusavam das nativas insaciavelmente e de forma impune. 

Em 1493, Anacona insufla e levanta as mulheres das aldeias contra os abusos dos espanhóis e estas mulheres pressionam a Caonabo (o cacique Taíno inimigo de Guacanagari e dos espanhóis) a agir, este chefe, já desgostoso com a presença dos espanhóis e com a escoada de tributos para a Rainha Espanhola de outros chefes, monta um exército indígena e arquiteta uma emboscada para capturar os espanhóis que pudessem fugir.

Esta fora arquitetada junto aos outros caciques da ilha, dentre muitos, alguns chefes Caraíbas -os quais eram aliados ou vassalos de Caonabo-, e estes resolvem-se por riscar do mapa o maldito forte e seus habitantes; Anacona, chefe da nação Xaragua -e uma das esposas de Caonabo- disse ser a situação inadmissível; os espanhóis deveriam participar de um último banquete, ofertando eles próprios o prato principal.


É então que o chefe Taíno ordena um ataque surpresa e fulminante (pela madrugada) à palhiçada do Natal, os espanhóis são mortos facilmente -como vermes- e alguns deles, ainda dormindo, sufocaram no próprio sangue sem saber o que ocorreu. Não houve tempo, sequer, de declararem guerra aos Caraíbas e de trocarem os pijamas.

Os índios do Caribe ficariam a espreita para capturar os fugitivos, dentre liga de povos indígenas estavam os temíveis guerreiros Kalipunas, os quais, no combate corpo-a-corpo usavam as bordunas e macanas (espadas feitas de madeira e dentes de tubarão) e quando estavam em meio à selva, empregavam técnicas de guerrilha utilizando-se da camuflagem, de armadilhas de vala e de flechas e dardos envenenados, os quais eram atirados de seus arcos e zarabatanas (com veneno epitelial do sapo-flecha). 

Provavelmente os guardiões de La Navidad, aqueles rodeleiros sem sorte, os quais estavam acordados vigiando as cercanias; ou estavam embriagados de mau vinho, ou foram pegos de surpresa, em emboscadas, durante as rondas da madrugada e não conseguiram soar o sino. 

Os 40 espanhóis foram trucidados por Caonabo e seus indios, os apresados foram devorados em rituais antropofágicos Caraíbas, a pele dos mortos foi seca ao sol; estirada em varais de pau e curtida com sal marinho se tornando, mais tarde, tambores ou acessórios de vestimenta. Seus crânios foram secos, esvaziados e encolhidos e viraram avisos de fronteira, seus ossos ou viraram flautas ou foram pendurados como enfeites de tetos de suas malocas. Diego de Arana desapareceu em meio à selva, mas é provável que tenha sido devorado em alguma aldeia Caraíba. 

O forte do Natal foi arrasado em chamas pelos índios Taínos, mas os indígenas pagariam um alto preço por terem se rebelado contra o invasor e se banqueteado com estes: contraíram a Varíola e foram quase que completamente exterminados pela doença, os sobrevivente foram subjugados pela Mita e pela Encomienda vindouras e os que resistiram em armas, foram brutalmente mortos pelo o que Colombo e os santos padres chamaram de uma "Guerra Justa" contra os pagãos diabólicos e bebedores de sangue.

Colombo retornaria com 400 mercenários e uma empresa mercantil maior, dentre eles: mais ladrões, escravos por dívida, vagabundos, bêbados e crápulas de todas as estirpes e maltas, para se vingar dos indígenas que arrasaram seu forte. 

Caonabo e Anacona seriam presos e torturados. Caonabo seria levado da ilha a fim de que os espanhóis desmontassem seu cacicado e o núcleo insular de resistência à conquista; este morreria de varíola em alto-mar tendo seu corpo atirado do navio; os chefes tementes a Caonabo e secundários -os Pyai (ou curandeiros e xamãs)-, foram queimados vivos em uma fogueira juntamente com seus ídolos de barro e pedra (os Zemís); Anacona -a sua esposa- foi estuprada e enforcada em uma árvore.

 Mas os caciques, guerreiros e curandeiros  que protagonizaram o ataque a La Navidad (estes últimos chamados de Behiques)  se tornariam mártires, símbolos de virilidade e também, fontes de inspiração para levantes indígenas futuros, os quais ocorreriam sob o comando de Manicatex I -líder guerreiro taíno (chefe de Cibao e irmão de Caonabo) o qual levantou 7000 indígenas contra Colombo e sua trupe de vagabundos.

A partir do incidente de La Navidad, os índios da América Central, os indios foram marginalizados, difamados ficando conhecidos detre os colonos como "Caribes", "Caraíbas" ou "Caribales" -os quais eram um etnia distinta da dos taínos-, i.e, aqueles "que comem carne humana e bebem o seu sangue", o estigma aportuguesado, passou a ser chamado como "Canibales" ou Canibais, rapidamente substituindo o termo Antropófago.


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Referências Bibliográficas:


CÁRCERES, Florival, Historia da América, 1.Ed, São Paulo, editora: Moderna.

CARDOSO, Ciro, Flamarion .S, O Trabalho Na América Latina Colonial, 1.Ed. São Paulo, editora: Atica (Série Princípio)

COLOMBO, Cristóvão; Trad. PERSSON, Milton, Diários da Descoberta - As Quatro Viagens e o Testamento, 2.Ed, Rio Grande do Sul, editora: LPM

SAUNDERS, Nicholas, Américas Antigas, 1.ed. São Paulo, editora: Shaman.

TODOROV, Tzvetan, Trad. PERRONE, Mói, Breatiz, A Conquista da América - A Questão do Outro, 2.Ed, São Paulo, editora: Martins Fontes.

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