Breves notas sobre a primazia ôntica do trabalho enquanto categoria fundante de hominização
(Marx, Grundrisse)
Por Felipe Lustosa, Historiador e Filósofo
O
trabalho é aquilo que se revela como um veículo ontoprático para a
criação de valores de uso, tal como para auto-criação do homem
enquanto ser objetivante -de si e de sua própria sociabilidade-,
isto implica em dizer que é uma monta que possibilita ao ser
gregário suprassumir a condição estritamente biológica (plasmada
sob a forma de ser orgânico), atingindo, por consequência, a etapa
ou faceta social.
Pode-se dizer que é o trabalho um produto
do desenvolvimento natural das forças fisiológicas e anatômicas
(que são o primeiro motor e impulso de todo o ser vivo), resolutas
no agir cognoscitível teleológicamente coordenado: em sua
fisiologia e metabolismo próprios, tal como, nas atividades
basilares do ser primevo, este executa movimentos envolvidos na sua
auto-reposição e desta reposição diuturna e imanente, [deste
primado ôntico necessário à vida e envolvido na reposição da
imediatidade do ser] erguem-se faculdades e complexos novos não mais
reclusos somente à instância instintual do ser orgânico.
Estes
complexos de novo tipo e morfologia, antes não existentes no ser
basilar, se dão justapostos ao movimento material de seus membros,
mente e organismo no desempenhar primário de suas potências, i.e,
na auto-reposição de si, mas a partir do momento que o agir natural
(labor) salta ao trabalho conscienciosamente planejado, o ser
gregário & orgânico galga a hominização de si e de sua
generidade específica, consignando uma nova modalidade de ser e
inaugurando novos complexos sociais concernentes à vida humanizada,
os quais vão se aprimorando no devir humano com o avanço das forças
próprias do homem, com a divisão social do trabalho, com os
excedentes de produção permitidos pelo trabalho e com a sociedade
sedentarizada e assentada, sob a forma de civilização (engendrando
novos avanços com relação aos meios de produção da vida
social).
A medida que a instintualidade vai sendo suplantada
pelo agir puramente télico -o qual se arrola no devir do ser
orgânico em ser social- o salto ontológico que permite o homem ir
além de sua mera explicitação organoléptica e instintual, se
consubstancia civilizacionalmente, afundindo-se no desenvolvimento
ominilateral da humanidade, de suas potências e de si (enquanto
indivíduo subjetivado), tal como da espécie humana, como
autorrealização social.
O trabalho também implica,
obviamente, em trazer consigo, um afastamento das barreiras naturais
das quais era o ser antecessor um refém sem que o soubesse; o
trabalho na interação metabólica com a natureza, não permite ao
homem obliterá-las por completo, mas domá-las parcialmente, nisto
consiste o seu afastamento, tornando por meio desta faina, possível
que a vida humanizada (na poleis) se erga e desenvolva diretamente da
vida natural-gregária, a qual é negada e suprassumida: os entraves
naturais são afastados pela práxis objetivante da matéria, a qual
as transmuda em ferramentas variegadas, mas neste câmbio metabólico
ontopositivo, não são eliminados os primados ôntico do ser
orgânico sobre o social: O Homem é um animal que respira, pulsa,
executa uma gama de fisiologias, se reproduz e perece no cosmos, como
todos os outros seres organolépticos.
A diferença é que
este reduz a distância para a obtenção de provisões, de forma
humanizada, sofisticada e abundante por meio do trabalho, com a
emersão do mundo dos homens no cosmos. A medida que ele ingressa num
novo ser auto-fundado pelo trabalho, i.e por meio de seu
auto-movimento imanente e teleológico no devir resoluto em sua
práxis laboral oriunda de uma prévia ideação consubstanciada em
valor de uso, a medida que elenca pôres-teleológicos, o homem se
auto-cria enquanto um ser social e da etapa humanizada, novos
complexos específicos se erguem à sua imagem e semelhança.
Bibliografia:
Engels, A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado
Lukács, Prolegômenos Para uma Ontologia do Ser Social
Marx, Grundrisse
Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos
Thomas Carlyle, Sartor Resartus