A ancestralidade utópica e romântica dos primeiros socialistas- (parte 3) Pierre-Joseph Proudhon e sua concepção de mundo justo
"O homem pode amar o seu semelhante até ao ponto de morrer por ele; mas não o ama tanto ao ponto de doar o seu suor e de trabalhar contra sua vontade, em seu favor."- (Pierre-Joseph Proudhon, Filosofia da Miséria)

Proudhon (1809 - 1865)
Por Felipe Lustosa, historiador e filósofo
Proudhon
foi um 'revolucionário' contra a noção, o conceito e a concepção
de revolução. Almejava subverter a ordem societária vigente por
intermédio da implementação daquilo que chamou de Anarquia
[1].
Ele intitulou-se anarquista em um ínterim onde os
homens careciam de influências intelectuais e de dirigentes para
nortearem o movimento revolucionário e as turbulências que o modo
de produção capitalista causava; com um dos pés calcados nas luzes
do século anterior - fora muito influenciado por Kant - e outro
fincado no romantismo de Rousseau, surge esta personalidade muito
proeminente e querida dentre os trabalhadores do século XIX:
Proudhon foi um proeminente dirigente da classe operária; de fala
inflamada e oratória filosófica impecável tornou-se Pierre-Joseph
Proudhon, um dos maiores intelectuais e dirigentes deste lapso
temporal e influenciou os proletários e pensadores de toda aquela
geração - como o próprio jovem Marx, o qual havia sido exilado
em Paris. Atentemos para este trecho da Miséria da Filosofia, de Marx:
"Desejais uma crítica pormenorizada das obras de Proudhon. Lamento que me falte tempo para atender ao vosso desejo. E, além disso, não tenho a mão nenhum de seus escritos. Entretanto, para dar uma prova de boa vontade, envio-vos, à pressa, estas poucas notas. Não me recordo dos primeiros ensaios de Proudhon. Sua obra de escolar sobre a língua universal testemunha a sem-cerimônia com que versou problemas para a solução dos quais lhe faltavam os conhecimentos mais elementares. Sua primeira obra - Que é a Propriedade? - é de muito a melhor que escreveu. Ela faz época, se não for pela novidade do que diz, pelo menos pela maneira nova e ousada de tudo dizer. Os socialistas franceses, cujos escritos ele conhecia, tinham, como era natural, não somente criticado de diversos pontos de vista a propriedade, mas também a haviam utopicamente suprimido. Em seu livro, Proudhon está para Saínt-Simon e para Fourier assim como, aproximadamente, Feuerbach está para Hegel. Comparado a Hegel, Feuerbach é bem pobre. Entretanto, depois de Hegel, ele fez época, porque acentuava pontos desagradáveis para a consciência cristã e importantes para o progresso da crítica filosófica, mas deixados por Hegel num claro-escuro místico. O estilo deste escrito de Proudhon é ainda, se posso assim dizer, fortemente musculado, e é o estilo que, na minha opinião, constitui o seu grande mérito. Vê-se que mesmo quando reproduz, Proudhon descobre que aquilo que diz é novo para ele e que apresenta como tal.
A audácia provocadora com que ergue a mão sobre o santuário econômico, os paradoxos espirituais com que zomba do vulgar senso comum burguês, sua crítica corrosiva, sua amarga ironia, tendo aqui e ali um sentimento de revolta profunda e verdadeira contra as infâmias da ordem de coisas estabelecida, seu espírito revolucionário, eis o que eletrizou os leitores de Que é a Propriedade?, e constitui um poderoso estímulo desde a aparição do livro. Numa história rigorosamente científica da economia política, este escrito mereceria apenas uma menção. Mas estes livros sensacionais desempenham nas ciências o mesmo papel que têm na literatura. Tomai, por exemplo, o Ensaio sobre a população de Malthus. A primeira edição é simplesmente um panfleto "sensacional" e, além disso, um plágio de princípio a fim. E, entretanto, que impulso deu esta pasquinada ao gênero humano! Se eu tivesse sob os olhos o livro de Proudhon, ser-me-ia fácil, por meio de alguns exemplos, mostrar a sua primeira maneira. Nos capítulos que ele mesmo considerava os melhores, imita o método antinômico de Kant, o único filósofo alemão que ele então conhecia, através de traduções, e deixa uma forte impressão que para ele, como para Kant, as antinomias não se resolvem senão "além" do entendimento humano, o que significa que o seu próprio entendimento é incapaz de resolvê-las."
Com os pés no Kantismo, ele foi o primeiro contestador da propriedade a se colocar como anarquista; Marx e Engels, no entanto, o descreveriam como mais um dos muitos
socialistas utópicos como citado à cima - termo que Proudhon sempre rejeitou com
muita irritação. Ele se tornou um homem de grande renome e
prestígio dentre os círculos operários, seitas revolucionárias e
dentre os Maçons de Paris, seu alvo é o Estado e a propriedade "sob
a posse estatista", ele rejeitou a concepção de classe social e
enxergava os males da sociedade capitalista no despotismo emanado do
Estado e dos "Chefes". Conheceu a Marx e manteve com ele uma
breve amizade [rompida em 1847, com a Publicação de um texto de
Marx chamado "A Miséria da Filosofia", onde Marx o ridicularizou
em resposta à uma obra de pouco rigor filosófico escrita por
Proudhon, chamada "A Filosofia da Miséria"]. Proudhon também
cultivou um vinculo de amizade com outros revolucionários deste
ínterim: ele se tornou amigo de Mikhail Bakunin e dele se tornou
mestre de filosofia e política, graças ao seu prestígio como
dirigente, Proudhon hegemonizou a cena intelectual da época [ao lado
de Blanqui] [2], em especial, durante o período turbulento e
revolucionário pelo qual a França passou em 1871, expresso na
Comuna de Paris.
Proudhon, no entanto, - ao contrário de
Bakunin - , não pregava uma insurreição armada, repudiava o
terrorismo
operário
contraposto ao terrorismo
de Estado;
ele também não pregou a tomada do poder de forma violenta e
insurrecional por parte dos proletários em
armas, organizados
enquanto classe
para-si contra
as classes dominantes; não pregou a expropriação da propriedade
privada e nem a destruição da burguesia pelo furor revolucionário,
tal como não se opôs à propriedade individual, mas foi adepto de
uma transformação pacífica e gradual da "propriedade estatista"
à forma mutualista, a qual desaguaria na anarquia. Proudon disse uma
vez a Marx, em uma carta:
"Creio que não tenhamos necessidade dela [da violência] para ter sucesso em transformar a sociedade e que, consequentemente, não devemos apresentar a ação revolucionária como um meio de reforma social guiada pela destruição, porque isso induzirá a um apelo à força, à arbitrariedade, em suma, seria uma contradição destruir a violência estatista se utilizando desta mesma forma de ato selvagem".
Proudhon
pregava uma substituição sistemática e lenta de uma forma de
"propriedade
estatista"
[que ele julgava ser 'um
roubo']
por outra, que defendeu toda a vida denominada de a propriedade
mutualista e individual, em seu "O que é a propriedade" expôs
uma forma de anarquismo individualista; defendeu uma sociedade "sem
amos" e a existência de uma forma propriedade individual que não
coibisse a individualidade e o subjetivismo dos homens, esta forma de
propriedade se valeria da autogestão
dos homens em corporações, :
"nesta
forma de sistema todo o capital acumulado tornar-se propriedade, [na
Anarquia] nenhum estado poderá ser seu proprietário exclusivo".
De
acordo com o mutualismo proudhoniano [3], na fase anárquica, os
homens estabeleceriam uma forma de sociabilidade calcada na
propriedade associativista
dos
meios de produção,
onde os proletários associariam-se em guildas, corporações de
ofício mutualistas, federações agro-industriais a fim de
beneficiarem-se mutuamente, no entanto, sem ferir de morte a
sociedade de livre-mercado. Para tal, Proudhon propôs o banco
cidadão ou "banco
do povo",
tal entidade regularia e administraria a economia de mercado, a
circulação de mercadorias e a distribuição de valores por
intermédio dos "cheques-trabalho"
os quais substituiriam o dinheiro e representavam as horas de
trabalho despendido nas federações agro-industriais e nas
corporações de ofícios.
Proudhon, com esta proposta, tinha por meta se contrapor à socialização das forças produtivas proposta pelos seguidores de Marx e de Engels [os comunistas], aos quais ele se referia como "chefes-estatistas" ou como "novos amos da classe operária". A proposta de fundar um banco sem romper com a livre-concorrência, com o trabalho alienado e com o capitalismo, lhe rendeu, - por parte de Marx - a alcunha de 'socialista reacionário', 'socialista-burguês'[4], de 'revolucionário de mentiras', de 'santo Zorro' e Etc. Para Proudhon, a transformação rumo à Anarquia se daria no terreno da desobediência civil e do "Contra-Poder" os quais levariam a transformação gradual a cabo, mas pacificamente.
A Anarquia de Proudhon seria o empiréu dos homens corporificado numa forma de ordem societária a qual denominou de "ordem anárquica". Para Proudhon [ao contrário de para Marx], o Anarquismo, longe de ser um Caos, seria um sistema bem ordenado, donde mesclaria-se elementos do federalismo, do cooperativismo, o estabelecimento de um banco popular e cidadão, tornando as liberdades democráticas liberais algo mais aprimorado, ao ponto que as próprias desigualdades estancariam e as estruturas de dominação que alicerçam o aparelho coercitivo de Estado, desmoronariam, fazendo o próprio Estado perder sua função, e lentamente, desaparecer .
[1]
- O
anarquismo Liberal de Proudhon consiste naquilo que definiu como "o
governo de cada um por si próprio", o que significava "que
funções políticas deveriam ser reduzidas à funções industriais,
e que a ordem societária deveria surgir de nada além de transações
e trocas".
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[2]
-
A comuna de Paris foi amplamente influenciada por Banquistas e
Proudonianos...Segundo Engels, as seitas blanquistas tinham como
traço marcante o conspiracionismo, o tarefismo, o romantismo, o
espontaneísmo e o terrorismo individual. Em seu o programa dos
fugitivos da Comuna, Engels diz:
"Blanqui
é essencialmente um político revolucionário. Ele é um socialista
só através de sentimentos, através de sua simpatia para com o
sofrimento do povo, mas ele não tem nem uma teoria científica
socialista, nem quaisquer sugestões práticas definitivas para
soluções sociais. Na sua atividade política, era essencialmente um
"homem de ação", acreditando que uma pequena minoria bem
organizada iria tentar um golpe de força política, no momento
oportuno, e poderia levar a massa do povo com eles, através de
alguns êxitos e assim dar início a uma revolução vitoriosa."
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[3]
-
economia local semi-planeada pelos trabalhadores que trabalhariam em
cooperativas e se associariam em federações agro-industriais
voluntariamente, recebendo cheques
de trabalho de
acordo com o trabalho dispendido, sendo estes cheques distribuídos
e emprestados por bancos mutualistas ou "bancos do povo".
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[4]
- "Uma
parte da burguesia desejosa por remediar os males sociais da
sociedade de classes, para assegurar a sua existência e a da
sociedade burguesa, decide-se por arregaçar as mangas. A ela
pertencem: economistas, filantropos, humanitários, melhoradores de
situações de classes, organizadores caritativos, protetores dos
animais, fundadores de ligas anti-alcoólicas, reformadores
ocasionais dos mais variegados tipos(...)É verdade, também, que
este socialismo burguês foi elaborado sob a forma de um sistema
completo. Como exemplo desta forma reacionária de Socialismo,
mencionamos a Philosophie de la Misère, de Proudhon. Os burgueses
socialistas querem as condições de vida da moderna burguesia e da
sociedade atual sem as lutas e perigos delas necessariamente
decorrentes. Querem a sociedade presentemente existente extraindo-se
os elementos que a ela revolucionam e dissolvem. Querem a burguesia,
mas sem o proletariado! A burguesia, naturalmente, representa o mundo
o qual domina como o melhor dos mundos! O socialismo burguês
elabora, a partir desta representação consoladora de mundo, um meio
sistema acabado ou um sistema meio-completo. Quando exorta o
proletariado a realizar estes sistemas e a entrar na 'nova
Jerusalém', no fundo, ela só lhe pede que fique na sociedade
existente sem a revolucionar, mas pede-o, encarecidamente, que trate
de se desfazer das odiosas representações que faz dela em seu
juízo." - (Marx e Engels, O Manifesto Comunista, capitulo III:
O Socialismo Conservador ou Socialismo-Burguês)
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Bibliografia:
Engels, F;. Do socialismo Utópico ao
Socialismo Científico, São Paulo, Editora Ridendo Castigat Mores.
Engels,
F;.Sobre a Questão da Moradia, São Paulo, Editora Boitempo.
Marx,
K;. Miséria da Filosofia, São Paulo, Editora Centauro.
Marx, K & Engels, F;.O Manifesto Comunista, São Paulo, Editora Boitempo.
Proudhon,
P-J;. Do Princípio Federativo, São Paulo, Editora LPM.
Proudhon,
P-J; O que é a Propriedade, São Paulo, Editora LPM.
Proudhon, P-J; A Filosofia da Miséria, São Paulo, Editora LPM.
Proudhon, P-J; Confissões de um revolucionário, São Paulo, Editora LPM.